JARDIM DO AMOR
Eu tenho motivos pra ser assim
e pra desprezar certas coisas...
Não quero mudar o jeito de ninguém
não quero brigas
não quero homens idiotas fingindo me amar
nem me desesperar e me jogar de um prédio
muito menos sumir nesse mundo de Deus
nem mesmo casar por casar.
Talvez o que eu queira seja
cultivar nas pessoas
homens e mulheres
amigos e amores
o que eles têm de bom.
De mais puro e límpido,
como a água das cascatas das montanhas azuis.
Mas desprezo, sim,
os homens que escondem a criança que têm em si.
E não aceito que as mulheres ignorem isto.
Porque a mulher deve amar _ até a raiz.
Deve fazer florescer no homem
a idade mais pura da vida.
E o coração do homem deve ser, então,
terreno sem pedras, rico e úmido de amor
pra deixar entrar a fada da vida
e tudo se realizar.
FONTE DOS DESEJOS
A pele macia sentiu a falta dos dedos do Pai do Amor
que em carícias soltas
tirava dos homens a noção do Tempo
e os fazia levitar
Que os homens da Terra estão muito "pé-no-chão"
e sentem a fonte secando em seus corações
Os homens da Terra precisam de mais amor pra acalmar seus anseios
precisam tocar-se no leito de flor
Mulher, imagem nua e bela
traz a paz do homem em seu poder.
Que o homem roubou-lhe os sonhos
E os sonhos eram tão doces!
E aqueles que sonham o mesmo sonho
se tornam um.
NOIVA
Minha avó me deu sua aliança
disse que era pra eu fingir que sou noiva.
Noiva de quem?
Duas amigas minhas iam se casar
eu tinha dezessete anos e sessenta mil no banco
a aliança era fina e brilhava à luz artificial
ele não tinha olhos pra mim
Duas amigas iam se casar e muitas são casadas
e naquele dia minha avó me chamou no canto,
com seu sorriso matreiro
e me deu sua aliança:
"finja que é noiva"
Noiva de quem, vó?
Da minha tristeza?
Dessa solidão?
Noiva do mundo?
Noiva de qualquer coisa ou de alguém que eu não ame...
porque ele não terá jamais olhos pra mim.
ESBOÇO No1
Sombra dos sonhos
ocultos reprimidos
lembranças vagas
de vagas manhãs
e o pássaro diz: partir.
Meus pés tateando
solos desconhecidos
na outra manhã,
aonde irei?
O trem de Minas...
Campos verdes...
E o que era verde em nossa vida?
Lembrança vaga
do teu olhar e do teu sorrir
da nossa eterna falta de tempo
da nossa eterna fome do mundo
dessa constante ânsia do nada
e o pássaro diz: partir.
REMINISCÊNCIAS
Aquela rosa parece roubada
do quintal da avó da gente
Rosa perfumosa, que a gente colhe
quando vai pegar manacás...
Lembro-me do silêncio da casa,
só os passarinhos, o sol morno,
o cheiro das flores,
eu menina escrevendo poemas
meu pai lendo Guimarães Rosa
minha mãe e minha avó fazendo quitanda
e eu levava as bonecas pra passear
e comia pitangas depois.
O quintal era um mundo a se conhecer
e eu era apenas a menina com seus sonhos.