Friday, October 26, 2007

poemas em homenagem a poetas

TRAGICOMÉDIAS

(A Fernando Antônio Nogueira Pessoa)

Vivo rindo das minhas ridículas declarações de amor.
Nada há de mais risível e ao mesmo tempo poético
nem de mais desastrado e patético
nem tampouco mais aberto.
São poemas e cartas cheios de dor e ironia
Faço de todos os pequenos casos
e dos ainda não existentes
uma tragicomédia.

É para que eu me lembre deles e ria
e nunca chore por deixar de tê-los feito.


LIRISMO

a manuel bandeira

UM DIA UM GÊNIO DISSE
LIRISMO
É LOUCURA
EMBRIAGUEZ
UM GRITO
A PUREZA
QUE HÁ NA MALÍCIA
NO NÃO-BELO
É LÁGRIMA
CONFISSÃO
NUDEZ
DESABAFO
GOZAÇÃO
LIRISMO
É VIDA
MORTE
RISO
VENTO
LIBERTAÇÃO


A PEDRA

a drummond

A pedra é o lema
O coração é a pedra
Da pedra brota a água
Que ameniza o mundo

Os olhos não são mais de água
Olhos duros mirando a cidade
A cidade que é feita de pedra
Pedras marcando a minha verdade

As pedras tu puseste
No caminho da minha vida
Com elas construo o alicerce
Da fé que julguei perdida


RODRIGUEANA

Como é possível morrer
sem provar teu beijo?
Ferir com a lâmina meu corpo
antes de aderi-lo ao teu?
E sabendo que existes,
e em algum lugar pulsas, ris e te divertes,
a vida não faz mais sentido?
Antes de um sorriso teu, não quero partir.
Queria sim, por teus braços,
alcançar o prazer, a pequena morte
a única maneira linda de morrer
neo-romântica
vampira notívaga
alimentar-me de teu olhar
e tornar o irrespirável ar possível
e a existência, uma brincadeira de criança.


DEPOIS DE DRUMMOND (paráfrase de “Balada do Amor Através das Idades” de Carlos D. de Andrade)


Naquele filme éramos eu e você
O par romântico que se perdeu
Se separou, no desamor
Ele se foi e ela esqueceu

Aqueles reis éramos você e eu
Mas os revoltosos do reino
Te mataram sob meus olhos
E foste rei depois de morto

Foste Beethoven e todos os músicos
E todos os poetas foste também
E eu fui a bailarina de todos eles
Fui a amante, ou não fui ninguém

E finalmente eu tornei-me vento
Tranqüilo a vagar no mundo
Até tua energia se abrasar em mim
E sermos corrente de pensamento


ATRIZ
Para Cecília Meireles

Cecília, me conte
como você esperou
foi sentada na ponte

Ou foi gozando o tempo
que se ri de quem luta
contra o vento e a vida?

Foi fazendo poemas?
Se deixando ser platônica
acendendo a lembrança morrida?

Cecília, me conte
como você conseguiu
sendo fiel, ser feliz?


CONFISSÃO

Desperdicei tanta poesia
Com gente tão alheia a mim!
Cega, não te percebia,
Meu doce amigo.
Hoje lamento as coisas fundamentais
O medo de amar,
Da entrega, do verdadeiro.
Hoje que o mundo usa lentes cinzentas
Íris abre o véu e me tortura
Deixando-me ver a beleza que perdi.
Mas fico feliz
Pois, sendo parceiros,
Não de corpo, que padece em dor
Jamais nos perderemos
Nas teias das desilusões amorosas
Nos desencontros temporais...
Seremos como Clarice Lispector e Fernando Sabino.

Que falta de sorte a tua,
Ter justo eu como alma gêmea!


DÁPRÈS LE RECITAL D´ADÈLE

Minha visão vinte por vinte, tão perfeita...
Olhos injetados de sangue, conjuntivite.

No enterro de minha avó,
Meu pé torcido e engessado, não pude ir.

No forno de bier, outro pé com tendinite,
Recebo pelo celular a notícia de que ganhei a fantasia da escola de samba!

Vejo Adélia Prado, inspiradora, inspirada...
Meu corpo todo coça de alergia e agüento firme.

Show de Gil, hepatite _ até me esqueço que estou doente.

E resolvo colocar minhas personagens
Em situações inusitadas.
A dor e o ridículo
Humanizam as criaturas...